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Foto do escritorFragmentos da Pandemia

Estudar em tempos de pandemia

Organizações educacionais suprem a ausência de medidas do governo para conter os impactos do novo coronavírus.


Entidades de São João del-Rei em ato no centro histórico. Duas pessoas seguram uma faixa escrito "eu defendo a universidade pública e gratuita".
Ato no centro histórico de São João del-Rei. Foto: Marcius Barcelos. Reprodução: Facebook Sinds-UFSJ

A Educação é um dos setores que mais vem sofrendo os impactos da pandemia de Covid-19, que escancarou a desigualdade no país. Já há um ano, no Brasil, a maioria das escolas, universidades e outros institutos de ensino seguem fechados e o ensino remoto se tornou regra. Estudantes e suas famílias, professores e outros trabalhadores, resistem e encontram formas de tornar o ensino remoto menos danoso, enquanto lidam com um déficit tecnológico, a ausência de políticas públicas e investidas dos governos contra a educação.


O fechamento das escolas, apesar de essencial para conter a difusão do vírus, afastou muitas pessoas do processo educacional. Um estudo da UNICEF do fim de 2020, mostrou que mais de 137 milhões de crianças e adolescentes da América Latina ainda estavam fora das salas de aula. A região também perdeu em média quatro vezes mais dias letivos do que o resto do mundo.


Com isso, o ensino mediado pela tecnologia tornou-se o modelo mais usado. O acesso à internet, porém, já não era democrático antes mesmo da pandemia. A pesquisa TIC Educação 2019 mostrou que entre estudantes da rede pública urbana, 39% não tinham computador ou tablet em casa e 21% só acessavam a internet pelo celular. Nas escolas particulares, os mesmos índices eram de 9% e 3%, respectivamente.


Só em Minas Gerais, segundo dados do IBGE, 54% das famílias não possuem computador e 24,7% não têm acesso à internet. Denilson Ronan de Carvalho, coordenador geral do Sindicato dos Servidores Técnicos-Administrativos da UFSJ (SINDS-UFSJ), reflete sobre como a desigualdade escancarada pela pandemia atinge a educação:


"Quem possui maiores recursos, as escolas particulares, tem dado uma rotina pras crianças e adolescentes mais fácil. Quem vem da escola pública, ou tá na escola pública, não tem nenhuma condição de estrutura", aponta.


Esses dados têm refletido na forma como estudantes de diversos contextos sociais vivenciam a educação na pandemia. Mais da metade (55%) dos estudantes que moram em favelas no Brasil ficaram sem estudar no período. Uma parte de 34% por não ter acesso à internet, e 21% por sequer receber atividades. Em todo o país, no ano de 2020, 1,8 milhões de estudantes abandonaram as instituições de ensino e 4,2mi também não tiveram acesso a atividades.


Ineficiência dos governos


A despeito da situação de vulnerabilidade dentro da educação, os governos se mostraram ineficientes na aplicação de políticas públicas para conter os danos da pandemia. A ausência de liderança e dificuldades de gestão do MEC, como órgão responsável pela coordenação nacional da Educação, aliados à falta de investimento - sendo 2020 o ano de menor orçamento da década para o setor - foram os principais problemas apontados pelo relatório anual divulgado pelo Todos Pela Educação. Denilson critica a gravidade das ações do governo ignorando a delicadeza do momento:


“Isso é muito grave, se a gente vai precisar de um modelo de educação diferente, com investimento em tecnologia, novas modalidades de ensino, você precisa investir num novo formato de educação, isso nas universidades. No ensino médio e fundamental o investimento deveria ser muito maior, porque a rede é muito mais precária. [...] E o que a gente vê? Corte orçamentário”.


Com a pandemia já em curso, o poder público seguiu com a política, não só de omissão, mas também de ataques diretos à área. Em agosto de 2020, o Ministério da Educação calculou um corte de R$4,2 bilhões no orçamento de 2021, reduzindo 18,2% em relação ao orçamento do ano passado. Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro vetou um projeto de lei que destinava cerca de R$3,5 bilhões, para que os estados destinassem o recurso para acesso à internet de estudantes e professores.


Pressionado por uma demanda social pelo retorno do auxílio emergencial, o governo federal apresentou ao parlamento a PEC Emergencial (PEC 186/19), como medida para equilibrar as finanças. Porém, ela impacta diretamente serviços públicos como saúde e educação, congelando os salários de servidores das áreas e impedindo a contratação de novos leitos de UTI-Covid, por exemplo.


Diante de tantas ofensivas contra a educação, os trabalhadores da área em Minas Gerais, que tiveram uma greve interrompida pela pandemia, seguiram a atuação de luta contra a perda de direitos. Marina Eduarda Oliveira Campos (27), professora de geografia e militante atuante no Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), reforça a importância das manifestações populares no combate aos impactos dessas medidas em meio a pandemia. “Seguimos com uma lista de medidas, que fomos muito atuantes nos posicionando contrário, nos mobilizando com manifestações (reinventadas) diante de muitas atrocidades desse período pandêmico”.


Construção popular da educação


Sem auxílio do governo para que mais estudantes tenham acesso ao ensino à distância, professores e servidores da rede pública foram forçados a descobrir novas formas de lecionar. A educação popular é construída passo a passo, pelas mãos de educadores e educandos que acreditam na democratização do saber.


Marina Campos, conta que o ensino à distância em Minas Gerais foi uma proposta vertical da Secretaria Estadual da Educação e dispensou qualquer diálogo com seus servidores. Diante de um cenário incerto e da pressão do Estado sobre os trabalhadores, as aulas remotas iniciaram sem qualquer estrutura, tanto para os professores, quanto para os alunos.

“Com nenhum recurso a mais disponibilizado pelo Estado para os novos equipamentos de trabalhos que seriam demandados, tivemos que investir do nosso salário, defasado desde 2017, em novos materiais de trabalho”, relata Marina.


A Rede de Cursinhos Populares Podemos + , luta para que mais estudantes possam fazer uso da educação remota. O grupo, além de construir campanhas para arrecadação de equipamentos de acesso à internet, movimenta as redes sociais com materiais para auxiliar a rotina de estudos nas aulas à distância. Atualmente, a rede atinge 21 estados, reúne 1.600 educandas(os), distribuídos em 50 cidades.


(Saiba a história dos cursinhos populares nas redes sociais do Cursinho Popular Edson Luís: instagram.com/p/CF-0q2fsigz/)


Na metade de 2020, as campanhas para que o ensino remoto chegasse às periferias ecoaram em todo o Brasil. A campanha “4g para estudar”, criada por oito cursinhos populares e com ajuda do laboratório “Nossas”, reuniu 31 cursinhos espalhados por 10 estados do Brasil.


Em São João del-Rei, essa campanha colaborou para impulsionar a arrecadação de equipamentos criada pelo Cursinho Popular Edson Luís (CPEL), resultando na arrecadação de 7 computadores para os educandos e garantiu 6 meses de acesso à internet a uma estudante.


CPEL


O CPEL é um projeto de extensão da UFSJ, criado junto ao Levante Popular da Juventude em 2016. O grupo tem três bolsistas e contou com a atuação de 38 voluntários em 2020. Com o distanciamento social, a equipe teve que reorganizar sua metodologia de ensino e sofreu com a evasão de 50% de seus estudantes, como conta a atual coordenadora do projeto, Lorrana Nascimento.


A primeira iniciativa do grupo foi a criação de vídeo aulas divulgadas pelo canal do cursinho no Youtube. Porém, com a baixa participação e interação dos alunos, os professores e voluntários repensaram a prática e decidiram não dar continuidade a esta proposta. A coordenadora aponta também que a equipe compreende que “o uso desta ferramenta (o Youtube) centrava-se de maneira significativa no ensino bancário e conteudista, o que inviabiliza o diálogo”.


O projeto passou então a realizar aulas síncronas pela plataforma Google Meet. “Foi uma experiência difícil. Educadores e educandos não estavam preparados para enfrentar essa situação. Nos deparamos com uma baixa integração dos educandos neste formato de ensino remoto, tanto entre eles como com os educadores”, conta a coordenadora do projeto.


Um dos estudantes do cursinho, João Víctor de Sousa (20), conta que a experiência com o ensino remoto foi exaustiva: "Não consigo ser produtivo igual no presencial, as maiores dificuldades foram concentração, pois moro com mais duas pessoas e elas também têm suas obrigações”.


O ensino à distância e a mudança de rotina


Em março, o governo de Minas Gerais decretou pela primeira vez a suspensão das aulas presenciais na rede pública estadual, com cerca de 26.586 escolas. De acordo com o professor da rede pública municipal, Luan Ariel Sigaud Vasconcellos dos Santos, nenhum tipo de apoio tecnológico, em termos de equipamento e acesso a internet, foi oferecido aos estudantes. “As escolas [municipais] apenas entregaram atividades impressas, e um programa da [TV] Rede Minas”.


O professor também fala sobre a ausência do cuidado com a formação dos docentes, diante da nova modalidade de ensino. “A profissão de professor foi resumida à de tutor, possibilitando apenas oferecer atividades, correção e plantão tira dúvidas, métodos que só funcionam para os alunos que tem mínima estrutura familiar para acompanhar cotidianamente”.


Alcimara Mercês da Silva Santos (21), aluna do CPEL e babá sem carteira assinada, precisou conciliar trabalho e estudos na pandemia. Ela começou a trabalhar em meados de outubro de 2020 e no final do ano, com o aumento da carga horária de trabalho, não conseguiu acompanhar todas as aulas remotas.


“Mas alguns professores me mandaram apostilas das aulas que foram dadas, então no meu tempo livre eu sempre dava uma checadinha”, conta a estudante. Quando questionada sobre os impactos da pandemia na educação, Alcimara disse que acredita que o ensino remoto demorou a ser estabelecido e que isso prejudicou muitos alunos que ficaram meses sem estudar.


Alcimara também acompanha de perto as dificuldades das aulas remotas na educação básica. Trabalhando como babá no período da tarde, a estudante auxilia uma criança de 4 anos nas atividades escolares assíncronas. “De vez em quando eu tento ensinar ele por conta própria também! Eu vou ensinando as vogais e consoantes”, relata. Segundo a estudante, seu forte nunca foi ensinar para outras pessoas, mas aprender a educar tem sido um desafio até então bem-sucedido.


ENEM


O SISU 2021/1 vai ofertar 209.190 vagas, 27.938 a menos em relação à edição anterior, de acordo com o Ministério da Educação. 110 instituições públicas de educação superior abriram vagas contra 128 do ano passado. De acordo com Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) o índice de abstenção da prova desta edição ficou em 51,5%, o maior já registrado.


Na UFSJ, a seleção foi efetuada exclusivamente com base nos resultados obtidos pelos candidatos no ENEM referente ao ano de 2020, de acordo com o edital disponibilizado pela instituição. O estudante João Víctor de Sousa, que está concorrendo a uma vaga no curso de jornalismo da UFSJ, se decepcionou com a prova. “Foi bastante frustrante por ter mudado totalmente as matérias, deixando de lado uma grade curricular que já vinha sido estudada por anos sem aviso algum”.


Apesar da situação, as expectativas para 2021 ainda são as mesmas para o estudante.“Apesar dos pesares espero conseguir a minha vaga, mesmo tendo em vista um EAD longo, pode me deixar frustrado mas acho que me sentiria realizado só por já ter entrado na federal”.


UFSJ e pandemia


No dia 3 de agosto de 2020, após cinco meses sem aulas presenciais, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Conep) aprovou o calendário do ensino remoto emergencial. O calendário foi construído pela Conep junto aos alunos representantes do Diretório Central dos Estudantes (DCE), instância de representação estudantil máxima dentro da instituição.


“De início, o DCE se posicionava contra o retorno remoto, porque muitos alunos não têm acesso à internet e aos dispositivos. A gente seria a favor se, e somente se, os alunos que não tivessem acesso, tivessem garantido o direito à graduação”, conta Letícia Arantes, aluna do curso de matemática que atuou como representante discente no Conep e no DCE até março de 2021.


O DCE apresentou uma resolução ao Conep com pontos importantes a serem garantidos na implementação do período remoto emergencial, a fim de diminuir o afastamento de estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica do ensino superior.


Segundo Letícia, alguns pontos da resolução não foram respeitados. “Para ter esse contato com a universidade nos três âmbitos de ensino, pesquisa e extensão, é necessário ter o ensino remoto, mas respeitando as resoluções, tendo a ouvidoria, tendo essa vigilância sobre os direitos dos estudantes.", relata. A estudante universitária acredita que, para que exista um ensino remoto mais justo, sem que perca a qualidade de ensino, também é preciso que o corpo docente aprimore as metodologias de ensino.


Na tentativa de diminuir os impactos do ensino remoto emergencial, a Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (Proae) lançou o edital para o programa de Auxílio Inclusão Digital. A universidade passou a oferecer auxílio com a modalidade de acesso à internet e a modalidade de aquisição de equipamento para que os estudantes em vulnerabilidade pudessem participar das atividades remotas.


Com o objetivo de incentivar projetos que atuassem no combate ao coronavírus, a UFSJ abriu o edital do Programa Institucional de Auxílio ao Enfrentamento à Pandemia, seus Impactos e Efeitos Covid-19 (PIE-Covid-19), com apoio da Pró-reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Proex) e da Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (Prope). Os projetos envolvem questões relacionadas a ações preventivas para diminuir a propagação do vírus, contribuições para diminuir os efeitos do isolamento social e medidas para auxiliar no diagnóstico e enfrentamento de casos atrelados à Covid-19.


Por parte do movimento estudantil, o DCE criou uma ouvidoria no segundo semestre do ensino remoto emergencial, para acompanhar o andamento e receber possíveis reclamações por parte dos estudantes.


Retorno das atividades presenciais


Cartaz do Sind-UTE contra a volta às aulas em meio a pandemia sem vacinação. Vacina para todos já. Para quem aprende e para quem ensina.
Cartaz do Sind-UTE. Reprodução: Facebook do sindicato.

Para Letícia Arantes, a pandemia gerou sentimento de revolta, desespero e preocupação frente à realidade do país. A estudante acredita que, para que a transmissão do vírus seja contida e as atividades presenciais sejam retomadas, é preciso que existam políticas públicas efetivas para que pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica possam cumprir o isolamento, além do investimento financeiro federal na vacinação. Quanto ao retorno das atividades presenciais da UFSJ, Letícia diz ser inviável enquanto professores, técnicos, auxiliares e estudantes não forem vacinados.


A direção do Sind-UTE/MG lançou uma nota no dia 3 de março de 2021 sobre a volta às aulas presenciais em Minas Gerais. O texto veio em resposta ao comunicado da Secretaria de Educação, publicado no dia 24 de fevereiro. O sindicato se opôs ao retorno presencial até que a população seja vacinada, alegando o aumento da exposição dos servidores e estudantes ao vírus, incluindo os Auxiliares de Serviços da Educação Básica (ASBs), a falta de estrutura básica das escolas, e questionando o papel da Escola/Educação/Ensino em meio a pandemia. Confira a nota na íntegra.


Para o coordenador geral do SINDS, Denilson Ronan de Carvalho, o retorno presencial sem a vacinação é inviável, mas aponta como a volta às atividades é importante. “Nós deveríamos, assim que vacinarmos os grupos prioritários, focar na vacinação de profissionais da educação e focar nos jovens. A perda já é muito grande. Mas eu só vejo retorno, em todos os níveis de educação, com a vacinação dos envolvidos, condições sanitárias locais e protocolos rígidos”.


Millena Gonçalves, Rafael Oliveira e Samara Santos

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