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Foto do escritorFragmentos da Pandemia

Comércio pós pandemia

Como a crise sanitária alterou a dinâmica do comércio e como o mercado local na cidade de São João del-Rei foi afetado.


Foto ilustrativa do funcionamento do comércio na pandemia. Uma pessoa passa álcool em gel na mão, antes de ser atendida.
Foto: Freepik/Ilustrativa

No início 2020 começamos a viver uma realidade desconhecida: enfrentamento de um vírus novo que se espalha rápido e o isolamento social para conter a disseminação. A pandemia afetou não só nossas vidas pessoais, como também a economia, e trouxe crise para muitos setores, resultado das medidas para conter a doença.


Além da alta quantidade de mortes por covid-19, o país caminha para uma das maiores crises econômicas que já enfrentou. De 2020 para cá, a instabilidade política adicionada à crise sanitária tem causado um período de recessão na economia. Em 2019, o crescimento do PIB foi de apenas 1,1%.. Para 2020, o ministério da economia havia previsto um crescimento de 2,40%, porém, fechou com queda de 4,1% segundo dados do IBGE. A previsão para 2021 é um aumento de 3,23%, mas o cenário não é favorável.


O auxílio emergencial concedido a 67,9 milhões de brasileiros, no início da pandemia, além de ser um benefício social, que ajuda a reduzir a pobreza absoluta e auxilia a população em meio a crise de desemprego, também injeta dinheiro na economia. Sem o programa assistencial, a queda no PIB do ano passado poderia chegar a 10%. O pagamento do auxílio possibilita às famílias poder de compra, o que faz com que o valor retorne para o mercado.


Cenário Econômico de Minas Gerais


Mesmo fechando o terceiro trimestre de 2020 com uma alta de 8,1%, em relação ao ano anterior, de acordo com dados divulgados pela Fundação João Pinheiro, o estado não conseguiu se recuperar e fechou o ano com uma retração de 5,2% no PIB. Um dos setores mais afetados durante a pandemia é o de serviços, que registrou queda de 1,7% em dezembro passado, comparado ao mês de novembro. De acordo com o levantamento do IBGE, a atividade de transportes, serviços auxiliares ao transporte e Correios caíram 1,2%, comparado a dezembro do ano anterior.


Kethelem Resende (32), proprietária de um estúdio de ginástica em Tiradentes (MG), abriu seu negócio poucos meses antes do início da pandemia. A chegada da doença e o fechamento do comércio durante as ondas de maior infecção, trouxeram insegurança e incerteza para a microempreendedora.


“Eu tinha aberto o studio a pouco menos de três meses e meio, tive que me readaptar levando as aulas para o online. Minha renda caiu muito, perdi bastante alunos, a maioria não quis migrar pro formato online. Tive que descer o valor da aula para metade, para não ficar sem renda e para ajudar os alunos. Com toda essa situação de incerteza resolvi fechar o espaço físico e estou me organizando para manter as turmas, maioria online. E fiz uma parceria com o dono de uma academia para fazer atendimento de personal”, conta Kethelem.


Outros segmentos afetados foram bares, restaurantes, casas de shows, eventos e afins, devido à necessidade do distanciamento social e ao funcionamento com medidas restritivas, como redução de clientes, necessidade de uso de máscara e álcool em gel. O produtor de eventos Saulo Longatti sempre teve uma rotina dinâmica. Com a pandemia, a necessidade de se reinventar se tornou uma tarefa mais estressante.“Com tantas incertezas que a pandemia trouxe para o nosso cotidiano, a maioria dos eventos foi cancelada ou adiada. Alguns adiamentos puderam ser retomados no período em que houve certa flexibilidade. Quem trabalha com eventos é mil e uma utilidades. Estamos acostumados a desempenhar diferentes tarefas e me reinventar não é, de todo, uma novidade. Há dificuldades sim e muita incerteza. Junto a isso o estresse da situação de isolamento e do medo de contágio e as circunstâncias ficam ainda mais desafiadoras.”, comenta o produtor.


Crescimento dos e-commerces


Durante a pandemia, para evitar sair na rua e estar no mesmo ambiente que outras pessoas, uma alternativa são as compras online. Com a chegada do novo coronavírus o mercado de e-commerces disparou.


Uma pesquisa feita pela Ebit|Nielsen, aponta que o faturamento das lojas online aumentaram em 47% só no primeiro semestre de 2020, maior índice dos últimos 20 anos. Mais de 7,3 milhões de brasileiros compraram online pela primeira vez durante o isolamento. A previsão é de que, em 2021, o e-commerce cresça 26%, atingindo um faturamento de 110 bilhões de reais.


No mercado mineiro não seria diferente. Com o fechamento dos espaços físicos, muitos proprietários migraram para a venda online. De acordo com o Fecomércio MG (Federação do comércio de Minas Gerais), cerca de 27,8% das empresas em Minas Gerais trabalham com atendimento online. As vendas são feitas em sites ou através das redes sociais.


A proprietária de uma loja de roupas em São João del-Rei, Aline Ferreira, já fazia vendas online em sua loja através do Instagram, com a chegada da pandemia surgiu a necessidade de ir para frente das câmeras interagir com o público.


“Nós já trabalhávamos no online, porém eu não aparecia! Então pra mim o maior desafio durante a pandemia foi vencer a timidez e a insegurança de gravar stories. Sem pessoas para gravar tive eu mesma que fazer. Mas graças a Deus o nosso online sustenta até hoje nossa sobrevivência no mercado”, relata a comerciante.


Crescimento do setor de alimentos


Outro setor que teve um aumento significativo foi o de alimentação. Segundo pesquisa da Associação Mineira de Supermercados (Amis), os supermercados tiveram crescimento de 10,78% do período de janeiro a novembro de 2020, em relação ao mesmo período do ano anterior, que teve um aumento de 6,31%.


Já o mercado de delivery, cresceu mais de 94%. Com o fechamento de restaurantes e bares, os empresários tiveram que optar pela venda por aplicativo. Entre os meses de abril e junho do ano passado, os gastos com entrega de comida quase dobraram, comparando com o período de janeiro a maio de 2019, segundo o aplicativo de controle financeiro, Mobills. Em Minas Gerais, houve um aumento de 10% na indústria de alimentação em 2020, em relação a 2019.


Thais Badaró (25) e Stéphanie Badaró (26) possuem uma hamburgueria artesanal em São João del-Rei. Antes da pandemia, as jovens trabalhavam somente com vendas online, através de aplicativos e pelo WhatsApp. Em setembro do ano passado, as microempreendedoras resolveram abrir um espaço físico, mesmo com todas as restrições devido à pandemia. Para aumentar o número de vendas conciliaram vendas no delivery e na lanchonete.


“Como nós éramos uma empresa exclusivamente de delivery, acredito que uma preparação que temos feito para os dias melhores que hão de vir é pensar em como esquematizar nosso atendimento salão, telefone, redes sociais e aplicativos. Temos encontrado alguma dificuldade já que não é possível para a empresa contratar mais funcionários. Acreditamos na eficácia do lockdown como uma medida de contenção da transmissão do vírus. Nós não chegamos a saber como seria a atividade da empresa com o salão aberto em tempos normais, então não teve muita diferença no atendimento aqui dentro (no estabelecimento)”


A falta de assistência com funcionários


O lockdown é uma medida necessária para conter a curva de contaminação do vírus, no início do ano passado boa parte do comércio teve que manter suas portas fechadas até que fossem criadas medidas que viabilizassem o retorno parcial das atividades. Com a reabertura, todo estabelecimento era obrigado a seguir as medidas sanitárias, tais como, distanciamento social, número reduzido de clientes e equipamentos de segurança.


Stelly Laura (24) trabalha como freelancer em um restaurante de Tiradentes para ajudar na renda. Durante a reabertura do local onde a jovem trabalhava, algumas medidas de segurança não foram seguidas.


“No restaurante em que eu tenho feito freelance não há disponibilização de EPIs (Equipamento de proteção individual) nós, funcionários, é que temos que comprar por conta própria. Além disso, não há preocupação com a lotação do ambiente. Houve até uma festa com 80 convidados em um final de semana do pico da covid-19. Há uma preocupação em relação ao rendimento do dia, mas nenhuma preocupação em relação ao que diz respeito ao bem estar e saúde dos funcionários. Não recebemos adicional, nem lanche/janta, nem EPIs de qualidade. É tudo por nossa conta.”


Recentemente algumas regiões do Estado entraram na onda roxa, decretada pelo governador Romeu Zema. O decreto, que proíbe a abertura de todo o comércio não essencial, permanece até o dia 04 de abril. São João del-Rei e Tiradentes aderiram à determinação para conter a contaminação.


Os efeitos da pandemia sobre o mercado imobiliário de São João del-Rei


Imóvel à venda em São João del-Rei. A foto foi reproduzida da página do Facebook da imobiliária Mendonça Imóveis Ltda.
Imóvel à venda em São João del-Rei. Reprodução: Facebook da Mendonça Imóveis Ltda.

Em março de 2020, as aulas presenciais da Universidade Federal de São João del-Rei foram suspensas devido à pandemia. Sem uma data prevista para o retorno, o mercado imobiliário local sofre, desde então, alterações em seu dinamismo econômico.


A presença universitária na cidade de São João del-Rei é significativa na economia local. Além dos três campi da UFSJ – Campus Santo Antônio, Campus Dom Bosco, e Campus Tancredo Neves, a cidade comporta o Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais e a instituição privada de ensino, o Centro Universitário Presidente Tancredo de Almeida Neves (UNIPTAN).


Ainda que seja uma população flutuante, ou seja, parte dos universitários ocupam a cidade apenas durante o tempo de curso, os estudantes contribuem para a movimentação econômica local. Segundo Daniela Torres, doutora em economia pela UFMG e professora aposentada do Depto. de Ciências Econômicas da UFSJ, a presença universitária altera não apenas a estrutura de valores de aluguéis, mas também as construções civis destinadas à locação por parte dos estudantes.


Com o início das aulas remotas na UFSJ, em setembro de 2020, diante um cenário incerto e economicamente instável do país, a solução para muitos universitários dos campi de São João del-Rei foi desocupar os imóveis e retornar para a cidade natal. Como foi o caso de Olívia Infante Rivelli (22), estudante de arquitetura e urbanismo na UFSJ.


Olívia morou na cidade por cinco anos, desde o início de seu curso superior. A estudante se mudou por três vezes até que encontrasse um apartamento com uma boa estrutura para residir, a um preço que coubesse em seu orçamento. Com a chegada da pandemia no Brasil e a suspensão das aulas presenciais em março de 2020, Olívia retornou para Barbacena (MG), sua cidade natal, mas manteve o imóvel até o fim do ano passado.


“Eu entreguei o imóvel em novembro de 2020. O principal motivo foi que eu tinha conseguido um desconto no preço do aluguel durante a pandemia para eu conseguir ficar lá, mas o dono revogou o desconto em novembro”, conta a estudante. Segundo Olívia, mesmo que as aulas presenciais retornem ainda em 2021, não é financeiramente viável que ela volte a locar um imóvel em São João del-Rei.


Diferente de Olívia, os universitários que aguardavam o retorno das aulas presenciais em 2021, optaram pela tentativa de extensão do prazo de renegociação do aluguel, a fim de reduzir os gastos com moradia.


A renegociação dos aluguéis surtiu efeito principalmente nas pequenas imobiliárias da cidade. O gerente da imobiliária Francisco Mendonça Imóveis, Eduardo Ferreira Mendonça (33), conta que a imobiliária familiar sofreu mais impactos com a desocupação dos imóveis a partir do segundo semestre de 2020.


“Os nossos clientes [proprietários dos imóveis] tinham concedido esse desconto até dezembro de 2020, mas, como as coisas ainda estão muito incertas, os descontos estão sendo mantidos e a gente está sem previsão de até quando", conta Eduardo. Segundo o gerente, a negociação depende da vontade dos proprietários e a mediação da imobiliária nessa relação entre proprietário e locatário é fundamental.


Na Francisco Mendonça Imóveis, dos 30 imóveis (45%) alugados para estudantes no ano passado, restam 17 imóveis (25,5%) ocupados em 2021. Para todos os 25,5% de imóveis alugados, concedeu-se a negociação.


Reajuste anual do aluguel


Além da negociação do valor de aluguéis advinda da pandemia, as imobiliárias exerceram o papel de mediação do reajuste anual do aluguel, que varia de acordo com o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M). O IGP-M, divulgado mensalmente pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE - FGV), é usado como parâmetro de reajuste de tarifas públicas, como energia e telefonia, também em contratos de aluguéis e contratos de prestação de serviços.


Em fevereiro de 2021, o IGP-M aumentou 2,53%. Esse aumento resultou na variação legal do aluguel de imóveis de 2020 para 2021. Como forma de diminuir os impactos econômicos, restou às imobiliárias e aos locatários negociar também esse reajuste anual.


Construções civis na pandemia


Apesar do cenário instável e pouco otimista do mercado imobiliário de São João del-Rei, principalmente em relação às pequenas imobiliárias, a economista Daniela Torres, enfatiza a importância do crescimento inesperado de construções civis na cidade.


“Você pode observar hoje na cidade, nos bairros próximos aos campi Dom Bosco e Ctan, estruturas verticais [prédios] novas ou em construção, que vão ser destinados a ocupações estudantis, porque grande parte desses prédios são kitnets ou pequenas moradas”, relata a economista.


Segundo Daniela, outro ponto importante a ser considerado com o crescimento de obras civis na cidade, é o aumento de mão de obra fornecido por esse setor. De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), os dados de vínculos empregatícios na área de construção civil foram positivos, ou seja, as pessoas foram mais empregadas do que demitidas. No entanto, o salário dos trabalhadores do setor não foi aumentado.




Millena Gonçalves e Thalita Adão

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